A violência baseada nas relações de gênero, segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, é considerada um problema de saúde pública. Nesse tipo de violência, homens e mulheres, socialmente, não são vistos como iguais, em virtude de sua condição sexual, o que ocasiona um padrão hierárquico de relações sexuais. Os homens são mais afetados na esfera pública, enquanto as mulheres sofrem mais violência em seus ambientes domésticos. A violência doméstica com mulheres se constitui como qualquer ato que cause ou possa causar sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mesmas, inclusive ameaças, coerção ou privação de liberdade.
Um estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa Cognição, Emoção e Comportamento, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, através de ONGs da cidade de Porto Alegre-RS, investigou como a violência causada às mulheres por seus parceiros pode trazer malefícios à sua saúde, causando Transtorno de Estresse Pós-Traumático e outros prejuízos cognitivos.
Os autores inicialmente discutem que essa violência pode ser caracterizada por:
- agressões físicas, como golpes, tapas, chutes e surras; tentativas de estrangulamento e queimaduras; assim como ameaças de ferir as crianças ou outros membros da família;
- abuso psicológico por menosprezo, intimidações e humilhação constantes;
- coerção sexual; e
- comportamentos de controle, tipo isolamento forçado da mulher em relação à sua família e amigos; vigilância constante de suas ações; e restrição de acesso a recursos variados.
Estudos prévios mostram que as consequências desse tipo de violência atingem a saúde física e a saúde emocional das vítimas. Fisicamente, pode causar dor de cabeça, dor abdominal, infecções vaginais, aborto espontâneo, lesões genitais, doenças sexualmente transmissíveis, e ainda a gravidez indesejada. Emocionalmente, pode resultar em depressão, ansiedade, disfunção sexual, desordens da alimentação, risco de suicídio, abuso de álcool e drogas e, principalmente, Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT.
O TEPT é um transtorno de ansiedade que ocorre após a exposição a um trauma severo que ameaça a vida, sendo caracterizado por uma resposta de intenso medo, impotência ou horror. Este transtorno é definido no DSM-IV-TR como uma resposta sintomática envolvendo: revivência (pesadelos, idéias intrusivas, sintomas somáticos relacionados ao momento do trauma); esquiva de estímulos associados ao trauma e entorpecimento da responsividade geral (evitar situações, pessoas ou comportamentos que relembrem o trauma, e ter dificuldade para lidar com novas situações ou sentimentos); e excitabilidade aumentada (insônia, irritação, dificuldade de concentração e um estado permanente de alerta e sobressalto) a um evento causado pelo stress.
Para realizar o estudo, dezessete mulheres vítimas de violência (por parte do parceiro) participaram da pesquisa, com idades entre 18 e 55 anos, sendo que 7 declararam sua ocupação como do lar e as outras 10 com ocupações variadas, com rendas de R$ 100,00 a R$ 1.200,00. A média de filhos era 4, cujo número individual variava de nenhum a 9. As medicações de uso psiquiátrico que tiveram seu uso relatado foram: antidepressivos, ansiolíticos e anticonvulsivantes.
Na realização da pesquisa foram respeitados os procedimentos éticos e utilizados os seguintes instrumentos: questionário sobre dados demográficos e saúde, rastreio para sintomas de estresse pós-traumático (SPTSS), Inventário Beck de Depressão (BDI), Inventário Beck de Ansiedade (BAI), Repetição de Dígitos, Teste de Trilhas (TMT – Partes A e B), Teste de Associação de Palavras Controladas (COWAT), Memory Assessment Clinics Self-Rating Scale – Short Version (MAC-SV) e Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV.
Verificou-se que todas as mulheres participantes do estudo passaram por eventos estressores e preencheram os critérios diagnósticos do TEPT. Elas também possuíam sintomas de ansiedade e depressão, sendo estes os sintomas de maior comorbidade com o TEPT. Ademais, a memória e a habilidade de concentração das vítimas também apresentaram prejuízos.
Segundo o que os autores concluem, a violência doméstica sofrida por estas mulheres caracteriza uma forma grave de trauma, com prevalência alta e usualmente crônica, principalmente por causar altas taxas de TEPT em mulheres expostas a essa situação perniciosa.
O artigo pode ser encontrado em
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/277